Luxo sobre as águas movimenta a economia de Santa Catarina
Santa Catarina é protagonista na indústria náutica brasileira. Com polos produtivos em Biguaçu, Itajaí e Palhoça, o Estado responde por mais de 60% da pro...
Santa Catarina é protagonista na indústria náutica brasileira. Com polos produtivos em Biguaçu, Itajaí e Palhoça, o Estado responde por mais de 60% da produção nacional de embarcações de lazer, segundo a Associação Náutica Brasileira (Acatmar). O setor, que conta com estaleiros, fornecedores e prestadores de serviço especializados, transforma o luxo em motor de desenvolvimento econômico. A vocação catarinense para o mar é resultado de um ecossistema completo. Além de Santa Catarina ter um dos litorais mais procurados pelos turistas no Brasil, o setor também é beneficiado por incentivos fiscais, infraestrutura portuária e a tradição industrial do estado. Um dos projetos estaduais para fomento da atividade é o Pró-Náutica, que oferece benefícios, como a redução da alíquota do ICMS sobre embarcações e sobre a compra de insumos. Hoje, o cluster náutico catarinense emprega milhares de profissionais e sustenta uma rede de micro e pequenas empresas, responsáveis por serviços essenciais como marcenaria, estofaria, elétrica e metalurgia. Tradição e sofisticação catarinense Entre os ícones dessa indústria, está a Schaefer Yachts, fundada por Marcio Luz Schaefer em 1992. O estaleiro nasceu em São José, inicialmente com o nome Kiwi Boats, e ganhou destaque nacional ao lançar a linha Phantom, projetada e executada no Estado. Com o crescimento da demanda, a fábrica foi transferida para Palhoça e, posteriormente, expandiu-se para Biguaçu, onde hoje abriga uma das estruturas mais modernas da América Latina. Celso Finkler, gerente de marketing da Schaefer Yachts, afirma que o protagonismo catarinense começou nos anos 2000, com a expansão da fábrica e a adoção de processos industriais pioneiros. “Ganhamos autonomia com a verticalização da produção, incorporando marcenaria própria e equipamentos de alta precisão. Isso elevou o padrão de acabamento e consolidou a Schaefer como referência em design e tecnologia”, destaca. A empresa introduziu no Brasil o processo de infusão de resina a vácuo, ainda pouco utilizado no mundo, e implantou um centro de usinagem CNC de cinco eixos, capaz de moldar blocos de até 75 pés com precisão milimétrica. Esses diferenciais fizeram da marca uma das mais reconhecidas do continente, com embarcações exportadas para mercados exigentes. “A mão de obra local é extremamente valorizada. Investimos em cursos e aperfeiçoamento técnico para formar profissionais cada vez mais experientes, o que garante a excelência dos barcos mais desejados do país”, reforça Finkler. Inovação com DNA catarinense Outra referência é a Intech Boating, sediada em Palhoça e comandada por José Antonio Galizio Neto. Fundada em 2007, a empresa atuou inicialmente na produção de embarcações de serviço de alto desempenho, voltadas a operações como patrulhamento e praticagem. Em 2011, ingressou no mercado de lazer ao firmar parceria com a italiana Sessa Marine, com a criação do único parque fabril da marca fora da Itália. Com uma estrutura de 20 mil metros quadrados, a Intech produz embarcações entre 27 e 60 pés, e concentra todos os processos de engenharia, laminação, marcenaria e montagem. Segundo a diretora de marketing, Débora Felipe, a força catarinense vem da combinação entre tecnologia e cultura industrial. “O Estado possui uma rede sólida de fornecedores e profissionais qualificados. Esse ambiente nos permite entregar embarcações com padrão internacional de excelência, reconhecido em toda a América Latina”, afirma. O estaleiro mantém vínculos próximos com o design italiano e investe em automação, monitoramento remoto e personalização. Segundo Débora, cada barco produzido pela marca é exclusivo, e reflete o talento e identidade de Santa Catarina. O papel dos pequenos fornecedores A base desse ecossistema é formada por centenas de pequenos empreendedores. Tapeceiros, marceneiros, serralheiros e fabricantes de peças sob medida fornecem insumos e serviços de alto valor agregado. Para o presidente da Acatmar, Mané Ferrari, essa rede é o que sustenta o padrão de excelência do setor. “Essas empresas oferecem flexibilidade e inovação, adaptando-se às demandas de cada projeto. Cada embarcação de luxo é uma peça única, e isso só é possível graças à especialização desses profissionais”, explica. Segundo ele, o setor náutico é responsável por gerar quatro empregos diretos e oito indiretos por embarcação. O setor movimenta desde o fornecimento de materiais para a fabricação dos barcos, até o turismo e a manutenção. O avanço da indústria náutica também impõe desafios. A falta de reconhecimento do setor como motor econômico e a insegurança jurídica ainda limitam novos investimentos, conforme comenta o presidente da Acatmar. “A instabilidade regulatória e tributária, especialmente com as discussões sobre o Imposto Seletivo na Reforma Tributária, traz incerteza e ameaça a competitividade dos estaleiros nacionais”, observa Ferrari. Para enfrentar essas questões, a criação da Frente Parlamentar em Defesa do Setor Náutico e da Economia do Mar, instalada no Senado em outubro de 2025, é um marco para o segmento. O grupo pretende atuar na formulação de políticas públicas, consolidar a percepção do setor como ativo estratégico e construir um marco regulatório estável. O Sebrae/SC também tem papel relevante nesse processo. De acordo com Patrícia Mattos, gestora estadual de economia azul, a instituição atua para fortalecer os pequenos negócios da cadeia náutica por meio de capacitação, orientação técnica e programas de inovação. “O setor náutico é uma vitrine do potencial catarinense: une tecnologia, sustentabilidade e economia criativa. Nosso trabalho é garantir que os pequenos empreendedores cresçam junto com os grandes estaleiros”, afirma.